quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Educação do Trabalho de Célestin Freinet





Alberto Tornaghi


Introdução:
Célestin Freinet se diferencia da maioria dos outros importantes pensadores e teóricos da educação por ter sido ele mesmo um professor primário que atuou em sala de aula por quase toda a sua vida (Freinet 1975:17). Toda a sua proposta pedagógica deriva diretamente do trabalho desenvolvido com os alunos na busca de um processo que os levasse a gostar da escola e do trabalho, que os levasse a ser cidadãos conscientes e participantes críticos do meio social. Esta proposta que criou com seus pares é conhecida por muitos e significativos nomes ("Pedagogia Freinet", "Pedagogia do Trabalho", "Pedagogia do Bom Senso", "Método Natural" e "Pedagogia do Sucesso") e propõe uma prática pedagógica centrada na produção do estudante e na cooperação entre pares. Sampaio (1989) diz que "a Pedagogia Freinet surgiu para atender à necessidade vital da criança: chegar ao seu pleno desabrochar como um indivíduo autônomo, um ser social responsável, co-detentor e co-edificador de uma cultura.".

Em Célestin Freinet buscamos a ideia de que o aprendizado deve se dar a partir de ações que sejam necessárias, pela produção de bens que sejam úteis aos aprendizes. Estes tanto podem ser bens materiais - geradores elétricos para iluminar uma escola carente do interior - como bens culturais - poesias, desenhos, jornais e livros escritos e impressos pelos próprios alunos e que eram enviados às escolas das comunidades vizinhas1.

Freinet é um pioneiro na proposição de uma prática pedagógica centrada na cooperação. Seu trabalho pressupõe a colaboração não só entre os estudantes como entre os educadores. Deriva de suas ações, ainda na década de 20, a primeira cooperativa de educadores de que se tem notícia que produzia um boletim, circulares, revista de textos infantis (La Gerbe - O Ramalhete), troca de documentos, organização de correspondências interescolares e encontros para intercâmbio entre educadores. Lançou assim o que chamou de movimento pedagógico cooperativo. Dizia que, desta forma, ele e seus companheiros tinham "rompido o círculo do individualismo estéril" (Freinet, 1975:21).

Esta proposta pedagógica se funda na junção da cooperação no trabalho coletivo com a valorização da produção individual. Assim, ao mesmo tempo em que permite que cada estudante produza no seu próprio ritmo, faz com que perceba que pertence a um conjunto maior e que sua produção tem valor para todo o grupo podendo ser melhorada e ampliada pela interferência dos colegas. Eis porque fomos buscar em Freinet as bases para a construção do MULEC*.

E como a pedagogia Freinet consegue que, a um só tempo, as crianças tenham uma produção individual significativa, respeitando o ritmo de trabalho de cada uma delas e cooperem com os colegas na produção destes? Segundo Rosa Sampaio ela o faz desenvolvendo (Sampaio, 1989):
o senso de responsabilidade
o senso cooperativo
a sociabilidade
o julgamento pessoal
a reflexão individual e coletiva
a criatividade
a expressão
a comunicação
o saber fazer (know how)
os conhecimentos úteis
a capacidade de reduzir os pontos de desigualdades sócio-culturais
Para garantir o desenvolvimento das capacidades acima foram propostas as "Técnicas Freinet" e enunciada uma série de princípios, as "Invariantes Pedagógicas", que dão suporte para o professor utilizar as técnicas.

1. As invariantes pedagógicas
Com o intuito de garantir que os professores interessados na Pedagogia Freinet conseguissem utilizar as técnicas de maneira eficiente, Célestin organizou esta coleção de princípios que guiam o professor em sua utilização. A cada uma das invariantes Freinet associou um teste que permite ao professor avaliar sua prática pedagógica. Ele as chamou de invariantes porque se aplicam identicamente a indivíduos de qualquer procedência cultural, qualquer povo.(Sampaio, 1989)
São 32 invariantes organizadas em três grupos:
A natureza da criança - 3 invariantes
As reações da criança - 9 invariantes
As técnicas educativas - 20 invariantes
Não cabe aqui enunciar cada um destes princípios mas vamos destacar os que de forma mais direta dizem respeito ao trabalho cooperativo e os que sugerem alguma forma de exploração das atividades do MULEC.
As invariantes que tratam da natureza da criança lembram que crianças e adultos têm a mesma natureza e portanto os mesmos direitos e necessidades básicas e que seus comportamentos têm determinantes da mesma ordem, isto é, dependem de seu estado fisiológico, orgânico e emocional.

No segundo grupo, estão invariantes que tratam do papel contraproducente do autoritarismo, das normas de disciplina pré-impostas e sem razão evidente e da coerção. Também neste grupo se explicita o papel positivo que têm a escolha do próprio trabalho pelo aluno e da motivação para o trabalho. Uma invariante ressalta que o trabalho tem que ter um objetivo claro - "ninguém gosta de atuar sem objetivo, como máquina" - e que o dever escolar pelo dever escolar tem que ser abolido enquanto com outra declara que as crianças devem sempre ter êxito pois o fracasso inibe, destrói o ânimo e o entusiasmo. A derradeira invariante deste grupo afirma que o trabalho tem primazia sobre o jogo, que o trabalho é que é natural na criança.

Este grupo de invariantes demonstra o acerto da concepção geral do MULEC como um ambiente onde os estudantes criam obras cujo tema é escolhido por eles, ao mesmo tempo que sustenta a importância de levar os alunos a criarem suas próprias regras de convivência (regras sociais) para a organização dos grupos produtivos.

O terceiro grupo de invariantes trata diretamente das técnicas e práticas de trabalho em sala de aula. Dentre estas destacamos as seguintes, mais pertinentes aos aspectos do uso do MULEC :

Invariante No 13 - As aquisições não são obtidas pelo estudo de regras e leis mas pela experiência.
O MULEC se apresenta como um instrumento para registrar as observações feitas nas experiências permitindo que os alunos cheguem à necessidade das leis e as reconstruam como consequência do registro de suas observações.

Invariante No 16 - A criança não gosta de receber lições ex-cátedra.
Usando o MULEC a criança aprende porque produz e enquanto produz. Esta produção pode incluir pesquisa, experiências e debates, mas tudo se dá a partir da atuação da criança. Uma aula que parta do interesse do estudante que pesquisou, escreveu sobre um assunto e trouxe dúvidas, o interessa e o envolve.

Invariante No 17 - A criança não se cansa de um trabalho funcional.
O MULEC deve ser usado para que os estudantes gerem produtos de sua escolha e portanto participem de atividades que os envolvam e os solicitem. Cada atividade ou jogo proposto aos estudantes deve fazer sentido para eles e se inserir num conjunto mais amplo de atividades que levem explícita e evidentemente a um fim.

Invariante No 18 - A criança e o adulto não gostam de ser controlados e receber sanções. Isso caracteriza uma ofensa à dignidade, sobretudo se exercida publicamente.
O papel reservado ao professor que usa o MULEC é o de companheiro de trabalho, elemento que facilita a produção e colabora no enfrentamento das dificuldades surgidas no processo produtivo. O trabalho de correção dos textos produzidos cabe em parte ao próprio aluno (correção ortográfica) com os instrumentos que o sistema fornece. Quando exigir a participação do professor deve-se ter claro que o que necessita de correção é o trabalho e não o aluno.

Invariante No 19 - Notas e classificações constituem sempre um erro.
A nota é eminentemente inibidora. Não será possível ter participação livre numa produção artística, de invenção ou qualquer outro tipo de criação se a ela será dada uma nota. Os instrumentos de avaliação que incluímos no MULEC servem para que o grupo envolvido com a produção verifique se está conseguindo atingir os objetivos planejados e se o produto tem a qualidade desejada. Desta forma, a avaliação é um instrumento para correção de rumos que deve ser usado pelo próprio grupo de alunos.

Invariante No 21 - A criança não gosta de sujeitar-se a um trabalho em rebanho. Ela prefere o trabalho individual ou em equipe numa comunidade cooperativa.
Isto indica que as atividades propostas no MULEC devem preferencialmente ser dirigidas a pequenos grupos que consigam desta forma manter viva a identidade de cada elemento do grupo.

Invariante No 22 - Ordem e disciplina são necessárias na aula.
É absolutamente fundamental que se tenha clareza da necessidade imperiosa deste princípio quando se pretende desenvolver um trabalho cooperativo. Por isso mesmo as regras de convívio devem ser produto da decisão do grupo que, desta forma, construirão as regras que acreditam necessárias para o funcionamento satisfatório do coletivo. Desta forma, o uso do MULEC contribui explicitamente para a reflexão sobre as regras de convívio e o desenvolvimento de habilidades sociais.

Invariante No 27 - A democracia de amanhã prepara-se pela democracia na escola. Um regime autoritário na escola não seria capaz de formar cidadãos democratas.
Usar o MULEC supõe estabelecimento de relações entre os alunos de respeito ao trabalho e às decisões alheias. Implica em respeitar direitos de minorias e acatar decisões da maioria, em participar de uma produção com muitas facetas onde as diversas contribuições são igualmente necessárias e diferentes na sua criação e função. A diversidade contribui para a criação de obras melhores e mais amplas do que seria a reunião simples dos trabalhos dos vários alunos. Ao perceber isso os alunos estarão descobrindo o valor e o poder que advém de se organizar democraticamente.

Invariante No 30 - É preciso ter esperança otimista na vida.
Sem comentários.

3. Finalmente
A pedagogia Freinet não deve ser entendida como uma camisa-de-força que nos amarra e impede modificações. Ao contrário, ela se preocupa permanentemente com a atualidade, em estar a serviço da compreensão e da preparação do estudante para o mundo real. Para tal ele sugere que se use todos os recursos que a sociedade fornece a cada momento. Em suas palavras, diz que podemos
"tentar modernizar os utensílios da escola, melhorar suas técnicas, para modificar progressivamente as relações entre a Escola e a Vida, entre as crianças e os professores, de maneira a adaptar ou a readaptar a escola ao meio, para obter um melhor rendimento de nossos esforços comuns" (Freinet, 1974:12),
e mais adiante:
"A escola Moderna não é nem uma capela nem um clube mais ou menos restrito, mas, na realidade, uma via que nos conduzirá àquilo que, todos juntos, construirmos."(Freinet, 1974)
Freinet abria, assim, as portas de sua pedagogia às inovações que a sociedade viesse a produzir no futuro. Particularmente feliz é o casamento entre a proposta desenvolvida por ele e seus pares e a micro-informática. Com a redução dos custos dos equipamentos e a ampliação das suas capacidades de comunicação, os computadores podem trazer para a sala de aula um leque de opções para produção e transmissão de textos e imagens que eram absolutamente impensáveis há poucos anos. O MULEC se apresenta como uma ferramenta que amplia as possibilidades da pedagogia Freinet levando para a sala de aula, num só objeto, muitos "cantos", muitos fichários e muitos correspondentes em potencial. Mas o mais importante é que o MULEC faz de cada estudante um cooperador num processo de produção coletiva de conhecimento.

domingo, 18 de setembro de 2011

O Cavalo não está com sede: então troquem a água do tanque



C. Freinet











Nós nos esquecemos de um capítulo na história do cavalo que não está com sede.
No momento preciso em que o rapaz mergulhava, na água do tanque, o focinho do cavalo-que-não-está-com-sede, e que, puf!, o sopro obstinado do animal espirrava a água em cascata em volta da fonte, surgiu um homem que declarou sentenciosamente:
- Mas... então, troquem a água do tanque!
Isso feito imediatamente, pois – ordem das autoridades – era preciso obrigar aquele cavalo-que-não-está-com-sede a beber.
Trabalho perdido. O cavalo não estava com sede nem de água turva, nem de água limpa. Ele... não estava... com... sede! E deixou isso bem claro quando arrancou a rédea das mãos do jovem tratador e partiu trotando para o campo de luzerna.
E, assim, o problema essencial da nossa educação não é de modo algum – como pretendem hoje nos fazer crer – o “conteúdo” do ensino, mas a preocupação essencial que devemos ter de fazer a criança sentir sede.
Então, a qualidade do conteúdo seria indiferente? Só é indiferente para os alunos quem, na escola antiga, foram treinados a beber, sem sede qualquer bebida. Habituamos os nossos a considerar primeiro toda bebida como suspeita, a experimentá-la e a verificá-la, a elaborar eles mesmos o seu próprio juízo e a exigir, em todo lugar, uma verdade que não está nas palavras, mas na consciência de relações justas entre os fatos, os indivíduos e os elementos.
Não preparamos homens que aceitarão passivamente um conteúdo – ortodoxo ou não -, mas cidadãos que, amanhã, saberão enfrentar a vida com eficiência e heroísmo e poderão exigir que corra para dentro do tanque a água clara e pura da verdade.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O TRABALHO QUE ILUMINA







C. Freinet
Claro! Certamente existem enxadas, arados e instrumentos mecânicos tão aperfeiçoados, que cavam o solo e semeiam o grão sem que você tenha que enfrentar a aridez da terra. Mas, quanto a mim, ao preparar uma sementeira, gosto de peneirar a terra com as mãos e apertar as pedras amorosamente, como se alisa o berço macio de um bebê.
É isso: um mesmo trabalho pode ser obrigação ou liberação. Não é uma questão de novidade, mas de iluminação e de fecundidade.
Você conhece a história de “descascar batatas”, no regimento? Há uma arte – de que a Escola fez uma tradição – para funcionar o mais lentamente possível, sem no entanto se deixar de trabalhar. É stakanovismo ao contrário. E quando se trata de pegar a vassoura para varrer as cascas das batatas, é o próprio cabo que tem de se encarregar da tarefa.
O soldado sai de licença, e vai ver a mulher. Fazer a sopa, descascar as batatas, até varrer, tudo isso se transformou em prazer de que ele reclama o privilégio.
A tarefa da manhã transformou-se numa recompensa!
Acontece o mesmo na escola, onde certos trabalhos gastos pela tradição serão, amanhã, procurados como atividades novas que você julgará exclusivas. Não procure a novidade; a própria mecânica mais aperfeiçoada chega a cansar, se não atender às necessidades profundas do indivíduo. No número cada vez maior de atividades que lhe são oferecidas, escolha primeiro as que iluminam sua vida, as que dão sede de desenvolvimento e de conhecimentos, as que fazem brilhar o sol. Edite um jornal para praticar a correspondência, recolha e classifique documentos, organize a experiência tateante que será a primeira fase da cultura científica. Deixe desabrochar os botões de flores, mesmo que às vezes o orvalho os molhe.
Tudo o mais lhe será dado por acréscimo.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

CARTA PARA ISABEL



Querida Isabel






(carta de Rosa Maria Wittaker Sampaio)



Mandei aquele texto do professor africano para você e fiquei pensando muito no seu curso de Metodologia da Língua Portuguesa.
Vou falar alguma coisa, assim, de pessoa que não fez pedagogia., mas é que enxergo os "efeitos' do nosso ensino de português .Agora, com a campanha do "Criança Esperança" da Globo, têm aparecido muitas iniciativas maravilhosas com crianças e jovens pelo Brasil.
O que percebo em 99% das apresentações é que as crianças e jovens NÃO SABEM FALAR NEM LER. Não se entende nem se ouvem bem as frases que falam e as leituras são fraquíssimas. Junte-se a isso a vergonha de falar em público, na frente de um microfone....MAS ISSO SE ENSINA.....SE APRENDE.......
Para mim, saber ler para um público, e saber falar claro, também é Língua Portuguesa.
Freinet foi mesmo um visionário, naquele tempo não havia televisão, mas ele já trabalhava com o "rádio" e o gravador, e ele já dava uma importância enorme ao "falar bem em público".

A) Uma de suas técnicas é chamada de texto livre.
Quando quiser a criança traz um texto que fez em casa para a classe e de frente para ela, lê bem claramente o seu texto para que seja avaliado e com possibilidade de ser escolhido. Será então corrigido coletivamente, com o autor aceitando ou não as sugestões bem definidas. Depois é impresso para o jornal., um trabalho individual se tornando um trabalho coletivo, cada dupla montando um pedacinho para depois de pronto enviar aos correspondentes e às famílias
.Veja, enfrentar o público ler corretamente para a classe, aceitar as criticas ou sugestões , e ver o seu trabalho trabalhado por todos os colegas, perfeito, e registrado, divulgado........ UM SUCESSO! Esse é um dos objetivos da Pedagogia Freinet.

B) O segundo exemplo é o Conselho de Classe feito semanalmente: uma roda com as crianças defendendo claramente na frente de todos seus pontos de vista, suas argumentações, seus medos e suas dúvidas.
Tudo organizadamente com a participação de todos. O coordenador e o relator de cada Conselho são escolhido pelos seus colegas e começam aprender a coordenar e a relatar reuniões. É um aprendizado da Língua Portuguesa, para situações que eles vão ter que enfrentar inúmeras vezes na sua vida profissional mais tarde, você não concorda? E a hora de aprender não é agora, enquanto são crianças?

C)O terceiro exemplo é a técnica da Correspondência escolar. Tem alguns textos sobre ela entre aqueles que enviei. É uma atividade riquíssima e prazerosa para o aprendizado da Língua..

D)As classes Freinet trabalham com muita música, o canto , os corais com dois ou três textos compostos em cima de músicas conhecidas.Cantando aprendem a falar....

E) Muita poesia, você não imagina como essa atividade é considerada importante para o aprendizado da Língua., tem publicações com poesias das crianças e jovens...... criar poesias e conhecer poemas de livros, para serem lidos individualmente ou em grupos ou jograis.

F)Os desenhos são uma riqueza imensa para se criar histórias como os do terceiro caderno do professor africano...Fazer livrinhos,,, um mundo infinito de situações de SUCESSO!

Para acompanhar tudo isso da Pedagogia Freinet, tem o livro da Maria Lúcia dos Santos:,O Texto Livre no aprendizado da Lingua Portuguesa da Scipione 1991
Vale a pena conhecer. Espero que você aceite minhas opiniões não acadêmicas....
Um abraço da Rosa Maria.
S.Paulo 4 de Agosto de 2006

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O TRABALHO QUE ILUMINA

O TRABALHO QUE ILUMINA
C. Freinet
Claro! Certamente existem enxadas, arados e instrumentos mecânicos tão aperfeiçoados, que cavam o solo e semeiam o grão sem que você tenha que enfrentar a aridez da terra. Mas, quanto a mim, ao preparar uma sementeira, gosto de peneirar a terra com as mãos e apertar as pedras amorosamente, como se alisa o berço macio de um bebê.
É isso: um mesmo trabalho pode ser obrigação ou liberação. Não é uma questão de novidade, mas de iluminação e de fecundidade.
Você conhece a história de “descascar batatas”, no regimento? Há uma arte – de que a Escola fez uma tradição – para funcionar o mais lentamente possível, sem no entanto se deixar de trabalhar. É stakanovismo ao contrário. E quando se trata de pegar a vassoura para varrer as cascas das batatas, é o próprio cabo que tem de se encarregar da tarefa.
O soldado sai de licença, e vai ver a mulher. Fazer a sopa, descascar as batatas, até varrer, tudo isso se transformou em prazer de que ele reclama o privilégio.
A tarefa da manhã transformou-se numa recompensa!
Acontece o mesmo na escola, onde certos trabalhos gastos pela tradição serão, amanhã, procurados como atividades novas que você julgará exclusivas. Não procure a novidade; a própria mecânica mais aperfeiçoada chega a cansar, se não atender às necessidades profundas do indivíduo. No número cada vez maior de atividades que lhe são oferecidas, escolha primeiro as que iluminam sua vida, as que dão sede de desenvolvimento e de conhecimentos, as que fazem brilhar o sol. Edite um jornal para praticar a correspondência, recolha e classifique documentos, organize a experiência tateante que será a primeira fase da cultura científica. Deixe desabrochar os botões de flores, mesmo que às vezes o orvalho os molhe.
Tudo o mais lhe será dado por acréscimo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Técnicas Educativas da PEDAGOGIA FREINET – OS CANTINHOS DE TRABALHO

Técnicas Educativas da PEDAGOGIA FREINET – OS CANTINHOS DE TRABALHO

UMA MANHÃ COMO TANTAS OUTRAS
TRABALHO EM ATELIÊS COM O MATERNAL I e II
Ch. Bizieau
École maternelle Fontalon
Le Nouvel Éducateur- Março /89

KARIMA é responsável pelo ateliê ESCRITA. Ela prepara os cadernos, as borrachinhas, as canetinhas de feltro,(não as grossas) , lápis preto, lápis de cor... e a borracha do professor. Todos as ateliês da manhã tem um responsável que deve preparar o material necessário.
Seu trabalho de responsável termina e Karima se dirige ao ateliê ESCRITA, aquele que ela escolheu.Ela começa o desenho sem refletir. Ela evolui, enriquece até o momento em que decide que está pronto, terminado, ; terminado ela cola( quatro pontos de cola, não mais.)
-“Professora eu terminei” Eu me sento ao seu lado e ela me explica aquilo que desenhou, e depois me dita aquilo que devo escrever, o que a obriga a passar da linguagem oral para a linguagem escrita.
Elas são algumas vezes, histórias vividas como “ eu fui à piscina com minha bóia”, mas frequentemente é fruto da imaginação:”a flor , ela é muito grande, ela não pode entrar na sua casa”.
Karima recopia palavra por palavra. Ela não escreve letras, ela escreve um significado. Karima é aplicada, de repente ela “lerá” sua história aos outros e lhes mostrará seu caderno.
SEBASTIAN escolheu o ateliê PINTURA. Ele colocou sua etiqueta no lugar previsto para isso. Ele não conseguia encontrar o lugar certo, ( só tem 4 anos), mas depois de alguns dias ela já encontra sozinha o lugar certo entre 26 etiquetas de outros coleguinhas.
As etiquetas do maternal 1 são amarelas, as dos grandes são brancas, o que facilita para encontrar as de seu grupo.Ele sabe que deve vestir um blusão (a camisa do pai), ele pode pedir ajuda para vesti-lo a um colega, se quiser.
Sebastian pinta. Ele ama pintar. Ele discute com seu vizinho, eles explicam um ao outro o que estão fazendo. Quando terminar ele sabe que deverá colocar sua etiqueta no quadro magnético previsto para isso. Agora,vejamos a pintura, em que coluna está no painel dos ateliês? Está escrito, mas Sebastian é tão pequeno. Ah! O ponto amarelo quer dizer: pintura, Sebastian, segue a linha do seu nome até encontrar a coluna da PINTURA e marca com amarelo..
DIMITRI escolheu sozinho o ateliê de DESENHO. Ele chegou tarde: não há senão 6 lugares em cada ateliê.
Ufa! ele é o último..O ateliê DESENHO não é complicado. Os cadernos de capa verde estão prontos, o responsável já os colocou na mesa. O mais difícil é encontrar seu próprio caderno: o nome está escrito, mas procurar numa pilha... Felizmente os meninos grandes ajudam, Dimitri desenha uma casa como seu vizinho.O desenho de hoje fica decorado com pequenos sinais gráficos... que são bem os exercícios
que eu poderia propor.
Quanto à SADIGE, ela pôs sua etiqueta sobre as mesas do ateliê JOGOS MATEMÁTICOS. Ela tem na sua frente os pauzinhos, formas geométricas, dominós, pequenos animais numa caixa...Na parede um grande painel com todos os números de 0 a 10. Sadige hesita, pega, larga, começa, abandona. Ela está em pleno tateamento experimental: ela acaba por fazer um desenho sobre a mesa com pauzinhos triângulos e círculos. Assim começam verdadeiramente as matemáticas. Ela sabe que deve desenhar sua produção numa folha para poder mostrar aos outros Nós discutiremos,
Nós vamos contar e escrever “os nomes” pode ser ou não ser... de qualquer forma seu trabalho será valorizado por essa apresentação.

Os cinco do maternal II que foram com a ajuda de uma monitora, ao ateliê ÁGUA na classe antiga, arrumada especialmente para isso, voltam: eles abrem o armário (atenção, não é aquele armário “proibido” que é reservado para o professor) e escolhem seus jogos.
Progressivamente, as crianças que terminam seu trabalho, fazem outro tanto. Alguns vão para o ateliê LEITURA, outros para o canto MÚSiCA.


O barulho aumenta, eu ajudo os últimos que não terminaram e intervenho:” Eric, você não arrumou seu material”;“Emanuelle, você se esqueceu de colocar sua etiqueta no quadro”;”Não John, não deve guardar o quebra- cabeça em desordem; peça a um grande para ajudar”.
“ É preciso respeitar as leis da classe que vocês decidiram, e eu devo garantir isso”

JUNTOS VÃO SE ORGANIZANDO

A organização de atividades nos cantos em ateliês permite o acesso à autonomia, apesar de todos os obstáculos a transpor pelas crianças menores, turbulentas e que ainda não sabem ler. É preciso aprender a escolher, ler sua etiqueta, reconhecer seu caderno, é preciso, sobretudo, compreender o sistema: aqui se faz isto, lá se faz aquilo... Há outro tanto de problemas reais, principalmente no princípio do ano.

Progressivamente, as crianças aprenderão a variar suas escolhas para não ficarem sempre nos mesmos ateliês. No momento as escolhas são totalmente livres, mas, eu começo a incitar os maiores a trocar, a experimentar outras atividades É verdade que cada um começa por aquilo que tem desejo de fazer, quero dizer, por aquilo que sabe ou pensa saber fazer. Vai-se naturalmente em direção ao sucesso. Mas o trabalho de classe, feito continuamente, as produções dos outros, vão progressivamente dar vontade ás crianças de olhar os trabalhos e de experimentá-los.
Um empurrãozinho de minha parte será talvez necessário. Será preciso introduzir um sistema (não, muito rígido) permitindo a recapitulação e os comentários sobre os ateliês escolhidos durante uma semana, pois estarão colocados nos painéis nas paredes, um para cada ateliê, onde as próprias crianças marcam que ateliê fizeram em cada dia, com algum sinal combinado.
Todos os ateliês possíveis não estão fixos até o fim do ano. Eles variam. No momento os ateliês ESCRITA e MATEMÁTICA são imutáveis e ficarão assim sem dúvida.

A organização vai acontecendo pouco a pouco, sobretudo é bom não ser muito ambiciosa nem demasiado rápida.Ela melhora com a ajuda das crianças, decidimos juntos as regras de vida da classe e as proibições que aparecem quando a necessidade delas se faz sentir.E evidente que junto aos menores, a parte do professor é preponderante e que esse tipo de organização exige uma grande disponibilidade de sua parte: deve ser rápido lá onde se precisa dela. ( as crianças não ouvem... ou demoram...)
Mas esse sistema não vai permitir às crianças serem eles mesmos e não peões mandados, adestrados e formados pelo professor?
Assim eles serão pequenos homens responsáveis por eles mesmos e pelos outros, desde gora.
* * * * *
Sugestões para outros ateliês ou CANTOS: de colagem, de recorte,de leitura, de barro, de jogos de montar (na mesa), de jogos de construir ( no tapete) colares de contas; de caixas de jogos de matemática numerados pelo grau de dificuldade ;de tapeçarias com lã (agulha bem grossa sem ponta) bordando a partir de seus próprios desenhos,canto da Biblioteca....
Os Cantos do Dia a Dia que podem ser mais longos, em dias e horários especiais: A ) das bonecas, com berços, armário com gavetas para as roupas das bonecas, banheirinha, espelho, pentes, secador de cabelo, mesa de passar roupa etc; B) uma cozinha com mesa e utensílios próprios:pratos, panelas e talheres, fogão, vassouras, sacola de compras, estante, telefone, etc; C) uma banquinha de feira com balança, cestas de frutas, legumes e flores de plástico ou outro material, avental e notas de dinheiro feitas pelas crianças e o caderno para a contabilidade; D) uma lojinha de panos e fitas, botões e lã., o balcão com tesoura, fita métrica, metro de madeira, dinheiro feito pelas crianças e caderno para pagamentos e recibos E)Canto da fantasia com roupas para vestir. O mais possível tudo deverá ser do tamanho natural,
Estes são os “Cantos” com os Ateliês que vi nos meus estágios em classes Freinet.

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Rosa Maria Sampaio ABDEPP Associação Brasileira para Divulgação, Estudos e Pesquisas da Pedagogia Freinet. Site www.freinet.org.br e-mail rosamsampaio@uol.com.br S. Paulo Outubro 2001

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O TRABALHO EM MIGALHAS

C. Freinet


“O trabalho em migalhas”, diz um autor...
Só há migalhas na nossa vida de educadores. Nem sequer conseguimos reuni-las, o que aliás seria inútil, pois migalhas de pão espremidas e enroladas nunca dão mais do que bolinhas, boas apenas para servir de projéteis nos refeitórios.
Migalhas de leitura, caídas de uma obra que ignoramos e que têm gosto de pão que ficou ressecando nas gavetas e nos sacos.
Migalhas de história, umas bolorentas, outras mal cozidas, e cuja amálgama é um problema insolúvel.
Migalhas de matemática, e migalhas de ciências, como peças de máquinas, sinais e números que uma explosão tivesse dispersado e que nos esforçamos por montar, como um quebra-cabeça.
Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar, no complexo de uma vida de infinitas combinações.
Migalhas de arte...
Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, migalhas de pátio de recreio...
Migalhas de homens!
Perigos de uma Escola que alinha, compara, agrupa e reagrupa, ausculta e avalia essas migalhas.
Urgência de uma educação que evita a explosão irreparável e faz circular um sangue novo na função viva e construtiva da pedagogia do trabalho.